UEMA Literatura apresenta o conto “O cachorro caramelo”, de autoria de Thamires Carvalho Baia, acadêmica de Letras


Por em 17 de abril de 2022



                                                                                                 

Neste domingo, o UEMA Literatura apresenta o conto “O cachorro caramelo”, de autoria de Thamires Carvalho Baia, acadêmica de  Letras.

 

O cachorro caramelo

 

Alfredo já estava ficando maluco com as perturbações da sua filha que todo dia dizia querer um cachorro, mas não era qualquer cachorro, era o bendito chow-chow, igual ao que sua amiga Carlinha comprara semanas antes.

A menina passeava com o cachorro pela rua e Júlia por sua vez, sempre se abaixava, ficando só com os olhos na janela, com vergonha, pois já tinha dito para Carlinha que o pai iria comprar um cachorrinho igual e até mais bonito. Alfredo certo dia até tentou, o bendito do cachorro era mais de mil reais, além dos cuidados com veterinário, alimentação e vitaminas, mas não desistiu de alegrar sua filha.

Na melhor intenção lembrou-se da vizinha Vera que tinha resgatado uma cachorra de rua que estava prenha. Ele então foi falar com ela e pedir um cachorrinho, pela sorte sobrou um já desmamado e espertinho.

Sobrô esse aí! O povo aqui de perto levô os bonitinho, aqueles misturadinho, de duar cô. — Disse Dona Vera para Alfredo, logo avisando que aquele era o mais feio da ninhada.

O pai temeu que a filha pudesse não gostar, mas levou mesmo assim, ele até achou o cachorro bonitinho, era caramelo por inteiro, um caramelo original, um caramelo brasileiro, de verdade. Além disso, achava que a filha queria uma companhia e não necessariamente o tal do chow-chow.

Não sabendo das intenções dela para com cachorro de raça, colocou um lacinho no vira-lata, de modo com que ele parecesse um presente e logo voltou todo feliz pra casa.

— Filha, eu te trouxe um cachorro Show! — A filha quase não se cabia de tanta felicidade, finalmente ia passear com seu próprio chow-chow na rua de Carlinha.

— Me mostra logo, aposto que é lindo. — Disse ela, animada.

O pai mostrou o cachorro e disse que seu nome era Show, de forma simbólica para o de raça, que ele não pudera comprar. A menina chorou de tanta raiva e em meio aos prantos gritava:

— Eu pedi um chow-chow e o senhor me traz uma droga de um cachorro de rua caramelo, que ódio! — Saiu batendo o pé e fechou a porta numa força que quase quebra tudo.

O coitado do cachorro pulou de vez e tropeçou com o barulho. Alfredo acalmou o bicho e pensou em devolvê-lo, mas resolveu ficar com o danado que não parava de mordê-lo e puxá-lo para brincar.

— É… você merece uma casinha né, danado? Vou fazer uma improvisada lá no quintal para você. — Disse Alfredo, meio desanimado.

Ele cuidava do cachorro com muito afeto, mas ficava triste, sua filha nem olhava ou chegava perto do Show, além disso, tinha maior vergonha do pai na rua com o cachorro caramelo, nos passeios diários.

Certo dia, Júlia deixou o portão aberto de propósito. Queria que o cachorro sumisse de vez, sabia que o Show era espevitado, danado que só ele, então, escancarou a porta e ficou esperando o cachorro ir embora. Show logo se alegrou, pois Júlia nunca brincara com ele, apesar de arranhar a porta do quarto dela todos os dias, pois como um caramelo brasileiro, jamais desistiu da tentativa de um carinho por parte da menina.

Para Show, a garota finalmente estava lhe dando uma chance, o danado com o rabinho eufórico, parece que dizia: “Oba, Júlia. Vamos nessa!”. A menina, entretanto, ouvindo os latidos incessantes do cachorro deu-lhe uma palmada na bunda, colocou-o para fora e trancou a porta.

Quando Alfredo chegou do serviço procurou pelo bicho até dentro do armário, Show tinha sumido. A filha dizia que não sabia de nada, não viu e nem queria saber. O homem, portanto, falou com os vizinhos, mas nada do bicho! Saiu de bicicleta e procurou pelo bairro inteiro e localidades próximas, o cachorro tinha sumido mesmo.

Os dias seguintes foram repletos de tristeza para Alfredo. Show não falava, mas era sua verdadeira companhia, já que sua filha vivia trancada no quarto e só trocava palavras com o pai para pedir coisas que sabia que ele não poderia comprar com seu salário pequeno, de vendedor em uma loja da cidade.

Ele já não banhava e mal comia, era saudade do danado. Até que bateram na sua porta falando de tal cachorro caramelo atropelado na rua vizinha, ele correu numa pressa só, já chorava indignado. Quando chegou perto do corpo do cachorro, pegou um susto e chorou sem fim…

— É o Show… — Disse ele, examinando o corpo.

O cachorro, em seus últimos segundos, olhou para o dono com os olhos tristes de saudade, com as últimas forças, lambeu a mão de Alfredo como sua despedida mais sincera. Ele estava tão machucado que não resistiu aos ferimentos.

Os dias de luto foram de muita dor, perder seu verdadeiro amigo trouxe uma imensa solidão à vida de Alfredo. Após dois meses e tentando recuperar-se da profunda tristeza, ele saíra com Júlia para tentar atender mais uma de suas vontades.

Durante o passeio, a menina viu Carlinha de longe, passeando com seu chow-chow e para sua surpresa, um vira-lata caramelo. Inconformada, logo comentou com o pai:

— Poderíamos tentar ter outro cachorro, né? O senhor está tão triste desde que o Show fugiu…

O pai, entretanto, não queria substituir o melhor caramelo que já existiu em sua vida e dizia à filha que não era necessário. Júlia por sua vez, detestava ser contrariada e tentava convencer seu pai de todos os modos. Dominada por muita raiva e inveja, esqueceu-se de prestar atenção ao trânsito, o pai tentou puxar seu braço, mas não adiantou, Júlia foi atingida em cheio por uma moto.

Deitada no chão, ela foi obrigada a admirar o céu… Nas nuvens, a menina viu o formato de um cachorro. Por um instante, imaginou quanta dor ele deve ter sentido, mas logo em seguida murmurou:

— Imaginação… Karma… Não existe.



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