UEMA Literatura apresenta a crônica “A karga da amizade”, de autoria de  Helismar Medeiros, Licenciado em Matemática


Por em 27 de fevereiro de 2022



Nesta edição, o UEMA Literatura apresenta a crônica “A karga da amizade”, de autoria de  Helismar Medeiros, Licenciado em Matemática pela Universidade Estadual do Maranhão.

 

A karga da amizade

Caro leitor, o ano era 2016, e nós, apenas adolescentes recém chegados a uma escola de tempo integral, que mais parecia um internato. A moda nessa época era colorir os cabelos com luzes, calçar all-star, usar calças rasgadas e ouvir uma boa música (Nando Reis, Legião Urbana, Cássia Eller, Pitty, Ira entre outros).

Ansioso para fazer amigos, logo me juntei a um grupo de três colegas. Nos identificamos rapidamente, pois gostávamos das mesmas coisas, ouvíamos as mesmas músicas e, nos pés, calçávamos o famosinho da época, o all-star. Ainda na loucura do vai e vem de alunos, pais e responsáveis que cruzavam os corredores da escola, a Agrotécnica, fomos de sala em sala para sabermos em qual turma iriamos estudar, quem seriam nossos colegas, futuros amigos que estariam conosco por três anos de nossas vidas, todas as manhãs e tardes dividindo tristezas e alegrias. Para nossa frustração, eu era o único que estava em sala diferente.

Os dias se passaram, semanas e meses e a amizade só crescia. Certo dia, um deles chegou e pediu para trocarmos as mochilas, sem hesitar, as trocamos – quase esqueço de falar, caro leitor, também era modinha da época ter mochila Karga. A troca das mochilas se repetia quase todos os dias pela manhã, e à tarde, desfazíamos a troca.

Durante o dia nos víamos a todo momento, no futebol, na hora do almoço, nos intervalos quando faltavam professores. Fazíamos de tudo um pouco, como: conversar, brincar, lanchar, ouvir músicas e falar das meninas da escola, as quais nos apaixonávamos toda semana por uma diferente, e para isso, só precisamos ouvir um oi.

O final do ano letivo se aproximava, e estávamos mais experientes em meninas e bebidas também, pois às sexta-feira sempre nos reuníamos para tomar um vinho, uma batida ou cachaça na porta da escola, era o que nosso dinheiro conseguia comprar.

A troca das mochilas já era algo rotineiro, ninguém entendia porque fazíamos isso, nem mesmo eu, até que um dia, numa sexta-feira após tomarmos alguns litros de vinho na porta da escola com os demais amigos, perguntei a ele – por que todos os dias pela manhã você me pede para trocar as mochilas e, no final do dia pega de volta desfazendo a troca. Surpreendentemente ele me respondeu: a mochila é a garantia de que irei falar com você no final do dia, é uma desculpa, um motivo para ver você e dar um até logo, porque amigos de verdade sempre deixam e levam algo de nós, essa é a garantia de que retornarão sempre.

Após ouvi-lo, caro leitor, o silêncio foi ensurdecedor. Ao chegar em casa fui refletir sobre a troca das mochilas, achei surpreendente a estratégia dele para mostrar o quanto uma amizade é importante, “o estar perto”, “o dizer um até logo”, ter algo de você em alguém e vice versa mesmo que seja um simples objeto. Penso que vivemos numa sociedade na qual não firmamos contratos, não gostamos de vínculos, apego. Queremos viver o hoje e o agora e, não julgo que seja errado, caro leitor, porém nessa frenesia de viver o momento. Nos comportamos como o vento, que ao passar toca o rosto das pessoas, provoca uma leve sensação de bem-estar, mas logo vai embora.

Caro leitor, se é importante para você, troque “mochilas” com às pessoas que você ama.

 



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