UEMA Literatura deste domingo apresenta o texto “Sepultado Natal”


Por em 26 de dezembro de 2021



Na última edição  do ano, o UEMA Literatura apresenta a memória ficcional “Sepultado Natal”, de autoria do professor substituto do Departamento de Educação e Filosofia, Rafael de Sousa Pinheiro.

Sepultado natal

(Em homenagem a Aderson Ribeiro Pinheiro)

 

 Silêncio. 16:51. O caráter melancólico das nuvens, em potencializada lentidão, acompanha a inevitável marcha dos últimos meses do ano. São dias como aqueles em que se partiu ou morreu. Instaura-se, uma vez mais, no eterno retorno do mesmo, a temporalidade atemporal do luto. Lutar por uma organização em sucessão lógica, na ânsia de traduzir a causalidade das patologias da memória, é  esforço vão. Não compreendo estes olhos arregalados, como quem procura me dizer algo, mas faltam-lhe as condições, pois são os derradeiros segundos de alguma vida. Interrogo perspicazmente, ainda sem saber o que me aguarda, a emergente rouxidão no início do fim de suas unhas, agora fincadas em rígida e gélida carne. Sim, começamos um velório a dois. É o teu velório que me acompanha ainda, velório da partida, do corpo faltante, do membro amputado, da ausência.

No eterno retorno dos últimos meses, do caráter grave das nuvens, organizadas em completa sintonia com a temporal atemporalidade do luto, da rigidez das patologias incompreensíveis, afetações da memória de tua partida, defronta-se- risivelmente- a alegria dos que querem comprar. Por muito tempo julguei trágico o que agora me atravessa comicamente, o contraste entre a esperança pela realização dos projetos para ano que vem e minha absoluta imobilidade, estáticos 11 anos, no eterno retorno de tua partida. Então, não há natal, não há novo ano, as convenções não se traduzem em esperança, pois natal, ano novo e convenções romperam em súbito enfarto, partiram, estão enterradas. Assim como o céu, aqui está tudo cinza.



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