UEMA Literatura apresenta crônica e poesia
Por Assessoria de Comunicação Institucional em 19 de setembro de 2021
Neste domingo (19), o UEMA Literatura apresenta a crônica “Debaixo do piquizeiro”, de autoria do professor do curso de Direito, Jean Nunes e a poesia “Naquela rua”, escrita por Reginilton Sousa, do curso de Pedagogia, UEMANet Polo Humberto de Campos.
Crônica – Debaixo do piquizeiro, por Jean Nunes
Impressionei-me com a altura do piquizeiro. Um arranha-céu de mais de vinte metros de altura. Tronco largo, copa exuberante e uma paciência admirável para um ser que estava debaixo do sol àquela hora do dia. O senhor Sebastião percebeu meu deslumbre:
– O doutor já tinha visto algum desses?
Algumas perguntas despretensiosas conseguem abrir caixinhas guardadas nos cantos mais escondidos de nossa memória. Fui longe. Lembrei-me da infância e do pé de azeitona que ficava na frente de casa. Havia muitos pés de azeitona nas redondezas. Mas aquele era o preferido, e não apenas pelo sabor. Era ali, em suas raízes emersas, que sentava o corpo franzino para descansar, enquanto contemplava o acender das luzes no céu e tangia o pensamento no rumo dos carros que passavam na estrada.
Vovó dizia que ela tinha sido plantada para mim, muito antes de eu nascer. Nunca duvidei disso. E nem poderia. A árvore me deu diversas provas de seu afeto. Um de seus galhos se estendia na direção do chão exatamente à altura do alcance dos meus pequeninos braços e o seu tronco, antes de se ramificar, esculpiu um assento para que o utilizasse como cela de um alazão, cabine de um dos foguetes que via cortar os ares ou mesmo como proa de um desassombrado navio pirata. Tudo apenas para me agradar.
Apesar de imensa, ela não era invencível. Murchou na luta desgastante que travou contra o cupim e suas folhas tremeram, nervosas, quando os homens se aproximaram para derrubá-la. Fui eu que a salvei. Coloquei-me, à frente dos machados, e, valente, anunciei que de lá só sairia se eles fossem embora. Ainda tentaram subir nela, para me demover do atrevimento. Mas na copa, lá no alto mesmo, somente a mim ela deixava subir. O perigo foi embora e suas folhas serenaram. Foi neste dia que lhe dei um nome, que guardo em segredo até hoje. Talvez contasse a Rubem Braga, que tanto afeto tinha por seu pé de milho.
Envolvido como fiquei nas lembranças, nem percebi que já não era mais apenas o senhor Sebastião que me ouvia. Jovens, idosos e crianças se distribuíam entre cadeiras e aflições que brotavam das raízes espalhadas debaixo daquela sombra.
O senhor Sebastião sorriu, pensativo, como se minhas histórias o tivessem levado longe também. O seu piquizeiro era diferente. Não tinha nome e nem galhos baixos. Mas tinha história. Havia sido plantado por suas mãos, há exatos 70 anos. Hoje ele faz ano, disse com a imagem da saudosa mãe espelhada nos olhos marejados:
– Ela era uma mulher da terra, “num sabe”!? Pegou uma muda do pequi e deu “pra eu” e meu irmão plantar. Todo dia a gente tirava água daquele riacho, que o senhor está vendo ali na ribanceira para aguar ele.
Respiramos um pouco, em silêncio, para que então iniciássemos a reunião. Exatamente onde estávamos, a comunidade havia surgido e era em torno dele, do piquizeiro, que a luta para proteger tudo quanto construíram e amavam surgiu e se fortaleceu. Um a um, os lavradores foram colocando no chão de areia o que os afligia. Injustiças foram debulhadas quais favos de feijão. Plantei informações, cultivei um pouco de tranquilidade e colhi a solidariedade de todos.
Ao final, o senhor Sebastião agradeceu e traduziu a esperança do seu povo:
– A gente está no cume desse piquizeiro, doutor, “há muitos tempos”. Já “espantamo” foice, machado e até trator. É hora de descer.
Poesia – Naquela Rua, por Reginilton Sousa
Sentir, certo dia, uma inquietação de uma vida inteira,
Que, do seu modo, se mostrou como um vulcão a entrar em erupção
Manifestou no fundo do eu, forte, quente e quase me deixando sem pele
Escapou toda lava pela boca que falava, pelas mãos que escreviam,
E pelos olhos que jorravam.
Lembrei de tantas vezes das quais fui feliz naquela Vila, pobre, humilde,
Mas cheia de vida, e que tantos amigos encontrei naquele garimpo,
E que se encontram sabe lá Deus onde!
Mas que na lembrança permanecem e quando morrem por algum tempo, são como a fênix que das cinzas ressurge, mais forte, e traz consigo a alegria genuína, mas também toda dor e tristeza quando lembro que não mais experienciarei aquelas alegrias cheias de vitalidade.
Tão repentinamente aconteceu e quase ninguém se deu conta
Que o esconde-esconde se escondeu de nós…
Tão de repente aconteceu e quase ninguém percebeu que a brincadeira do anel se escondeu de nós, antes, lembro bem, só o anel se escondia nas mãos de alguém…
Percebi, infelizmente, que aconteceu a última rodada da Roda e ninguém mais voltou no dia seguinte… quem voltou já não encontrou a vitalidade sozinho,
E mais triste ainda, é saber que não sabemos qual foi o último dia que nós voltamos para a rua para sermos livres.
Quem diabo somos nós que nem da alegria somos capazes de lembrar o último dia?
Penso, pois não precisávamos dessas preocupações àquele tempo, mas hoje
Me inquieta.
Nem sequer lembramos da última partida, que repetida vezes, encontramos no futebol a fonte da Alegria, às vezes discórdia, mas não duravam após ali,
E nem sequer do último gol, que quando em quando gritávamos alheios cheios de felicidade.
Era o brilho nos olhos… Era a ação de olhar para o outro… E não precisar de mais nada.
E depois disso nem sequer lembramos do último banho nas águas refrescantes daquele Rio Alegre de Santo Amaro, no fundo daquele quintal, que mais alegre ficava quando do Trisca brincávamos e que nem do vô Pedro, o quintal é mais, e hoje pouco sei por onde pousaram e reclinaram a cabeça os meus amigos…
Ouve a última vez que correndo atrás alcançávamos carros… alguém sempre caia… chega até ser cômico recordar.
Consigo até lembrar das tantas portas que batíamos e o sentimento vem quase que instantâneo, quando corríamos era como se viesse o ser mais tremendo e assustador atrás de nós, mas a senhora se quer nos via, os xingamentos eram certos.
Mas triste mesmo é lembrar que esquecemos de nós e nossas aventuras Travessas.
A flor que era tão grande no chão daquelas simples e feliz Rua, jaz murcha e morta, mas também permanecemos sem lembrar a última cantoria de quem foi comprar uma fruta na feira…
A lua sempre adivinhava certeiramente os momentos para alumiar aquela rua, é impossível não lembrar das tantas voltas de Bom Barquinho demos juntos, e hoje nem juntos estamos…